segunda-feira, 4 de maio de 2015

Dez evidências de que o politicamente incorreto dos anos 80 e 90 moldou o século XXI


Nos anos 80 e 90 parecia que tudo era permitido: de apresentadoras de programas infantis da TV em trajes sumários a matinês com centenas de meninas rebolando tentando imitar os passos da banda “É o Tchan”. Tudo isso interrompido por intervalos publicitários onde marcas de chocolate eram associadas a meninos vencedores que conquistavam muitas namoradas. Essas décadas “politicamente incorretas” marcaram a infância e adolescência da chamada Geração Y, cujos membros são os líderes de opinião na atualidade. Qual a parcela de contribuição dada por essa cultura supostamente permissiva para a atual visão de mundo dessa geração? Foram décadas que, vistas pelo olhar politicamente correto atual, brindaram-nos com produtos culturais que sugeriam erotização precoce, pedofilia e exploração sexual em plena mídia de massas.  A partir de uma lista de dez evidências de uma época onde “tudo era permitido”, vamos tentar encontrar influências da infância politicamente incorreta na mentalidade atual da Geração Y.

Apresentadoras de programas infantis em trajes sumários apresentando bandas de hits com refrões de gosto duvidoso; nos intervalos publicitários, comerciais mostrando crianças ostentando orgulhosamente produtos e ridicularizando o telespectador-mirim que ainda não os compraram;  anúncios publicitários que comparavam uma boa apólice de seguro com um uísque de qualidade que lhe dá um ótimo dia seguinte; matinês em casas de shows onde meninas levadas pelos pais rebolavam sensualmente ao som da banda É o Tchan; comerciais infantis associando um chocolate com as conquistas amorosas em série em um acampamento cheio de meninas, etc.

Estamos falando das décadas de 80 e 90 que, para o nosso olhar atual globalizado e sensível a questões éticas e morais, foram épocas decididamente politicamente incorretas. São décadas que marcaram a infância e adolescência da chamada Geração Y – conhecida também como “geração do milênio” ou “geração da Internet”, nascidos após 1980 e, segundo outros, em meados dos anos 1970.

Uma geração que se desenvolveu no Brasil numa época de grandes avanços tecnológicos em ambientes altamente urbanizados. Mas também cresceu assistindo a uma indústria de entretenimento que irradiou uma cultura que hoje é celebrada em festas retro temáticas com os “trashs dos anos 80 e 90” – um mix de criações publicitárias politicamente incorretas com programas infantis de TV precocemente erotizados.

Geração Y: uma geração tecnológica moldada
pelo politicamente incorreto?
               E também uma geração que chegou à idade adulta e se tornou líder de opinião através de redes sociais, blogs, sites da Internet, assim como editores, artistas e apresentadores de TV.

Em que medida essa cultura politicamente incorreta dos anos 80 e 90 participou da formação da visão de mundo da Geração Y? 

Flávio Lico, educador e fundador da Avenca Consultoria Educacional, levantou uma instigante questionamento através de uma postagem em sua página no Facebook: “Será que o estágio bizarro de civilidade e desrespeito mútuo que vivemos hoje no Brasil não tem a ver com o ambiente doente em que crescemos?”. E finaliza perguntando “até que ponto os anos 80 e 90 contribuíram para os anos 2000 e 2010?”.

Dez evidências

O questionamento de Flávio Lico baseou-se em uma lista do site Catraca Livre intitulada “7 provas de que o Brasil aceitava tudo nos anos 80 e 90” – uma relação baseada numa lista elaborada pelo Buzzfeed de onde o Catraca Livre selecionou as “7 mais bizarras” evidências - clique aqui e veja a lista do Buzzfeed. 

Um desfile de peças publicitárias como o do menino com cigarrinhos de chocolate da Pan, Xuxa com figurino sumário no Clube da Criança da Rede Manchete e inacreditáveis capas de disco – uma do "Carnaval dos Baixinhos" da Xuxa com um bebê de fio dental e outra do Gilberto Barros com uma criança enfiando a mão por dentro da sua camisa numa incômoda sugestão de pedofilia sob o título “Me faz um carinho!”. 

Antes de aprofundamos no tema, vamos ver a lista abaixo com algumas contribuições das pesquisas do “Cinegnose”:


1. Xuxa no Clube das Crianças da Rede Manchete (1983-86)



2. Cigarrinhos de Chocolate da Pan




3. Capa do disco "Carnaval dos Baixinhos" 



4. Gilberto Barros: "Me faz um carinho!"



5. Comercial da tesoura do Mickey (1992)



6. Comercial do "Baton" da Garoto (2005)



Comercial de 2005 com conceito de criação iniciado nos anos 1990 com o "Compre Baton" onde um menino repetia o slogan como se tentasse hipnotizar o telespectador

7. "É o Tchan" para crianças em matinês infantis em casas de shows nos anos 1990




8. Grupo "Molekada": um dos resultados das matinês do "É o Tchan"


9. Seguradora Indiana é como uísque... a criação publicitária politicamente incorreta dos anos 80



10. Crianças seminuas montadas numa moto para vender jeans - saiu num gibi do Pato Donald em 1980



Já no final do século XX (e, portanto, nos estertores dessa era de “permissividade”), o escritor Marcelo Rubens Paiva demonstrava sua perplexidade em 1999 em um artigo no jornal Folha de São Paulo sobre as matinês do grupo É o Tchan no Via Funchal em São Paulo: “Criança sabe muito bem onde é o bumbum, popô, pipi etc. E “É o Tchan” aponta para uma direção: que arrebitar, rebolar, subir e descer é bonito e dá dinheiro. Os defensores do estilo Tchan dizem que é malicia dos adultos. Mas que é estranho ver tanta menininha rebolando, é.” – PAIVA, Marcelo Rubens. “É o Tchan faz matinê para crianças assanhadas”, Folha, 14/09/1999.

Para ele, a grande “lição” que o “É o Tchan” deu para as crianças da Geração Y é que rebolar e empinar o bumbum é bonito e dá dinheiro.

Talvez, nessa opinião de Rubens Paiva esteja o início da discussão desse tema – a erotização precoce de uma geração como o aspecto simbólico de uma educação fálica para o consumo. Em outras palavras, por trás da erotização precoce se escondia uma preparação também precoce de uma geração para o consumismo.

Décadas permissivas: a educação para o consumismo


Como demonstra a literatura crítica e acadêmica sobre a sociedade de consumo, toda publicidade é fálica: a transformação de todo e qualquer produto em símbolo seja de status, distinção, poder ou prestígio social. E essa, por assim dizer, sintaxe publicitária deve ser ensinada cada vez mais cedo para preparar sempre novos consumidores para o mercado.

Dos assistentes de palcos e apresentadoras infantis semi nuas, passando pelas meninas do Via Funchal arrebitando o bumbum e chegando à campanha do “compre Baton” onde um menino enche sua barraca de meninas, o significado é sempre o mesmo: começar o aprendizado do consumo a partir do próprio corpo da criança – seu primeiro simbolismo fálico: o mais bonito, o mais enfeitado, o mais sedutor etc.

Geração Y e a ausência dos pais


Ausência dos pais: uma geração
marcada pelo excesso de
tolerância e consumismo
compensatórios
                 O traço marcante da Geração Y foi a ausência paterna, seja de forma física (pais fora de casa preocupados demais com a carreira e o trabalho) ou simbólica (eles nada tinham a dizer, a não ser tentar cada vez mais ficarem parecidos com seus próprios filhos como fossem eternos jovens adultos).

Seus pais foram egressos da chamada Geração X - geração que cresceu após a Segunda Guerra Mundial nas décadas de 1950 e 1960. Uma geração marcada pela permissividade do “tudo é possível” após a explosão da cultura jovem e pop da década de 1960 combinado com a pílula anticoncepcional e a chamada “Revolução Sexual”.

Ao mesmo tempo, essa geração também foi marcada pela incerteza, ausência de identidade, um mal estar mal definido pela insegurança em relação ao futuro – um mal estar seja causado pela ameaça de uma hecatombe nuclear como provável final da Guerra Fria ou, no caso do Brasil, pela crise econômica crônica e a hiperinflação que estimulavam as pessoas a pensarem apenas no presente – uma sensação de contínua liquidação: aproveite antes que tudo se acabe!

 Incerteza e hedonismo criaram as bases culturais de um individualismo sobrevivencialista que caracterizou a Geração X. E também criou pais culpados por não terem dado a atenção devida aos seus filhos – cercaram seus filhos de excessos de indulgência e tolerância como formas compensatórias para, através do consumo, reparar uma suposta culpa: dar aos filhos tudo aquilo que a TV anunciava para que seus filhos aparentassem serem vitoriosos e felizes, assim como os modelos televisivos.

Agências de publicidade e de pesquisas logo descobriram esse traço indelével dessa geração nos anos 80 e 90 e carregaram as tintas numa linguagem publicitária erótica e fálica para as crianças, sabendo que seus pais tentariam de alguma forma compensar seu profundo sentimento de culpa.

Meninas se espelhando nos trajes sumários da apresentadora Xuxa e suas paquitas ou bandas que simulavam serem minis “É o Tchan” como o grupo infantil “Molekada” foram a face mais visível e trash desse período.

O nascimento do politicamente correto


Enquanto crescia, a Geração Y viu crescer a onda do politicamente correto que passou a execrar tudo aquilo que marcou a sua infância. Bem menos do que uma conspiração censora das esquerdas como muitos intelectuais conservadores acusam, o politicamente correto cresceu paralelo à expansão globalizante dos mercados de consumo. O multiculturalismo e o marketing globalizado trouxeram a necessidade de uma espécie de ressemantização das criações publicitárias e conteúdos audiovisuais. Dessa maneira, evitam-se choques culturais ou conflitos com grupos étnicos, sexuais ou ideológicos. 

O clássico exemplo foi a versão politicamente correta do cowboy da Marlboro: de laçador de cavalos selvagens das campanhas de décadas passadas passou a observá-los correndo livres ao por do Sol, numa versão ecologicamente correta.

             Ecologistas, feministas, ativistas LGBT, cicloativistas, defensores dos animais, vegans, etc., em sua maioria líderes de opinião da Geração Y, renegaram suas infâncias incorretas para criar um novo código ético e moral revisionista que começa a não poupar nem a própria História – caçam-se escritores e obras como, por exemplo, o Sitio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato redescoberto como uma narrativa suspeita de conter personagens e situações racistas.


Sítio do Pica-Pau Amarelo: racista?

Repentinamente, Monteiro Lobato passou a ser suspeito de ser uma influência perniciosa para crianças em idade escolar. Algo tão ameaçador quanto o fantasma da erotização infantil representados por Xuxa e “É o Tchan”.

Dessa maneira, a Geração Y começa a flertar com o neoconservadorismo. Poderíamos especular que essa postura revisionista e radical seria uma reação à atmosfera do “pode tudo” dos anos 80 e 90 alimentado por uma indústria publicitária cujos profissionais eram de uma Geração X muito mais permissiva.

Geração Y neoconservadora


Em 2009 a empresa Bridge Research realizou um extenso estudo sobre o perfil da Geração Y brasileira. A pesquisa mostrou um forte traço individualista: a Política, Drogas ou Pena de Morte são defendidas ou atacadas muito mais por uma postura individualista do que em relação a uma questão pública ou social – sobre a pesquisa clique aqui.

Danilo Gentili: o politicamente incorreto
revivido como farsa
             Na questão da Pena de Morte, por exemplo, demonstra como uma geração fruto das maiores liberdades e do maior fluxo de consumo da História se tornou radicalmente contra qualquer coisa que atrapalhe esses valores; sobretudo se for violência ou segurança pública.

Os entrevistados acreditam que a Pena de Morte poderia ser eficaz na solução para os altos índices de criminalidade nas capitais brasileiras. Isso demonstra estarem muito menos preocupados com as origens sociais do problema do que com uma suposta solução de um ponto de vista do pragmatismo individual.

                Mas a Geração Y parece sentir o mal estar de todo esse revisionismo e ressemantização cultural: afinal, tanto nos anos 80 e 90 quanto no século XXI as tendência corretas ou incorretas da cultura continuam sendo ditadas pela indústria publicitária e do entretenimento, como vimos acima.

De volta ao politicamente incorreto?


Paradoxalmente, na tentativa de fugir dessa atmosfera moralizante parte da Geração Y se apega ao politicamente incorreto, mas não mais vivido como farsa como no passado, mas agora de forma trágica.

É o caso de humoristas stand up como Danilo Gentili ou Rafinha Bastos – através de poses de rebeldes que se insurgem contra uma suposta onda de censura de Esquerda, cometem piadas grosseiras que se transformam em bullying contra minorias, etnias, grupos socialmente inferiores e ridicularização de indivíduos fragilizados.


                Esses típicos líderes de opinião da Geração Y acabam se tornando presas fáceis do moinho da política atual pelo seu individualismo e analfabetismo político: serão moídos pela pedra do moinho até serem reduzidos ao bagaço e descartados... ou reciclados, como reza a cartilha do politicamente correto.